sábado, 14 de fevereiro de 2009

O que uma fobia não faz...



Tenho claustrofobia e após dois episódios recorrentes, reais, de ficar presa no elevador desenvolvi um medo irracional da caixa de ferro. Usando a minha terapia ortodoxa nordestina, além de me obrigar a encarar o medo, resolvi brincar com o tema escrevendo a situação ideal de uma empreitada destas...


"DO QUE UM PÂNICO É CAPAZ...


- Segura aí, por favor. A voz era firme, determinada, timbre de quem está acostumada a mandar e ser obedecida. Sem hesitações. O perfume que acompanhou a voz tinha um cheiro de rosas com toques adocicados, do tipo suave, elegante, imponente.
Ela seguiu o aroma. Adentrou segura no exíguo espaço onde eu estava só. Com um disfarce de sorriso nos lábios agradeceu com um menear de cabeça que decorava um “ obrigada” educado.
Apertou o 18º andar e encostou-se à lateral esquerda com um olhar distante, não sem antes averiguar rapidamente aquele antigo elevador e parecer se decepcionar pela decrepitude do espaço ou quem sabe pela falta de espelho.
A subida iniciou-se lenta, claudicante, barulhenta até que entre o 11º e 12º andar fomos cercados pelo silêncio e pela inércia.
Ela olhou-me com expressão amedrontada e me senti quase culpado pela situação que não causei. Compreendi rapidamente o que aconteceu e pressionei o botão de emergência que emitiu um barulho estridente, engasgado que parava logo que eu tirava a pressão.
Sem pedir licença ela me empurrou e começou a apertar todos os botões do elevador e sua expressão foi se tornando lentamente aterradora. Seus olhos pareciam estar em outro mundo, horrivelmente ameaçador.
- Por favor, me tira daqui, eu tenho claustrofobia, estou em pânico. Me ajuda...Eu vou fazer um escândalo - E começou a gritar desesperadamente, um grito agudo, tenebroso. Tive medo.
Eu lhe disse para ficar calma, que pelo menos não estávamos no escuro e que provavelmente alguém já estaria atrás de ajuda. Mas, sem escutar, ela vociferou:
- Você não está entendendo. Eu tenho pânico e sou capaz de matar um, entendeu? - E começou a esmurrar o elevador, gritar e dar chutes tudo ao mesmo tempo e o barulho no pequeno vão se tornou ensurdecedor.
Não sei em que momento tudo aconteceu, mas me vi na obrigação de segurá-la e tentar fazê-la voltar a si. Ela começou a se debater nos meus braços e me esmurrando gritava para eu largá-la. Foi quando sentindo aquela maciez dos seus longos cabelos cacheados em minha face e inebriado pelo seu olor eu segurei seu rosto e forcei um beijo ao mesmo tempo que a puxei para mim.
O tapa que eu esperava não aconteceu.
Primeiramente o corpo dela ficou inerte e pareceu que iria sucumbir à gravidade. Mas não. Ele imediatamente sucumbiu a outra lei e o seu corpo grudou-se ao meu.
A sua boca pequena, que emitia grunhidos alguns segundos antes, parecia se abrir inteira em cima dos meus lábios e um mistura quente, doce e aveludada deslizou para minha língua e invadiu toda minha boca.
- Que mulher louca é essa? Foi a última coisa racional que consegui pensar. Após isso o tempo parou.
Nada mais existia.
Ela adentrava meus sabores como se sempre houvesse feito isto. Como se nossas bocas fossem uma só, desde sempre e quisesse me sorver inteiro com aquele ato
Entregamo-nos àquela carícia com uma sofreguidão de sabedores conscientes que nossas vidas dependiam disso para continuarmos vivos. Até que as mãos resolveram participar do ritual e exploraram rostos, cabelos, pescoços...
O tato seguiu o instinto e desbravou os espaços, tirando do alcance tudo o que impedisse o contato máximo dos corpos. E o encaixe perfeito dos seus seios em minhas mãos confirmou que estava perante um momento único, singular.
Os corpos estavam nus. Outros sentidos foram tomando lugar no corpo e após uma vigorosa dança frenética de mãos, línguas, cheiros e gostos o instinto maior nos tomou de assalto e os nossos sexos se uniram como siameses que tiveram de se separar por uma injustiça divina.
O movimento primeiramente delicado deu vazão a um ritmo alucinante e tão intenso que após o êxtase sincrônico estávamos ambos inertes no solo, em cima das roupas, e somente o barulho da nossa respiração nos evidenciavam vivos.
Qual não foi minha surpresa - e a convicção que morrera e estava no paraíso - quando a seguir senti o corpo dela se juntar ao meu e sua boca já buscar a minha.
Neste momento ouvimos uma voz: - Podem ficá tranquilos, tamos resoveno tudo. Vocês vão sai num minutim.
Mal consegui visualizá-la em pé, vestindo suas roupas, e a porta já se abriu levando a mulher misteriosa e o nosso instante mágico.
Fiquei de prontidão na porta do elevador diariamente esperando que ela voltasse.
Exatamente uma semana depois, no mesmo horário, o perfume doce me nocauteou e sem precisar de palavras assumimos nossos papéis anteriormente desempenhados com maestria.
Tentamos por vezes repetir o feito em outros sítios, mas a magia se quebra e retornarmos ao ninho toda quarta-feira para que o mesmo elevador, na hora de sempre, seja cúmplice deste eterno ato divino.
Conto de Jeanne Maz"

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sobre descobertas


Algo pessoal,

Até pouco tempo atrás acreditava - muito mais por crença íntima, que por constatação real - que tudo relacionado a trabalho, estudos, amigos e viagens seria um sucesso. Mas por uma lei própria compensatória o que se relacionava a saúde e relacionamentos amorosos viria sob um véu estropiado.
Assim pensei, assim se deu...

Como aqui não cabe boletim de ocorrência não falarei das vinte e sete cirurgias que me submeti. E a sequência de desastres amorosos não é meritória de nota.

Porém desilusão amorosa sempre está em voga, segue uma poesia de 2006 que exprime isso e me escusarei de explicar mais ...


AOS HOMENS DA MINHA VIDA
(reais e imaginários)

Mesmo sem querer,
vez por outra te encontro,
numa esquina da mente,
cheirando a guardado,
atrás de um ponto,
sem lugar marcado

Te percebo no gesto ou palavra
que originado de outros,
não tem mais tua magia
Te sinto também, naqueles dias
em que a nossa música
ganha alma própria
e a melancolia
se apossa de mim

Encontro, ainda, no cheiro
que ficou no meu corpo,
por muito, muito tempo,
e se escondeu num sótão
para me atormentar
nos dias de faxina

Queria ter ficado contigo
Para sempre!!!
Mas, em algum dia, por alguma razão,
não tivestes força de me segurar
Então me perdi de mim...
E tive que ir atrás

E foi para continuar sendo eu
que deixei de ser nós
E foi para continuar sendo eu
Que fui pra não voltar



Bem,
A vida rodou principalmente depois que revi meus paradigmas.
- A saúde? Vai muito bem agora.
- E o amor? Agora creio ter encontrado do meu lado o que procurei tão distante... essa poesia é uma continuação da outra e foi feita para o melhor amigo de vários anos, para o companheiro dos últimos meses, para o amor de agora...


AO SOL DA MINHA LUA
(Para meu homem pré-histórico)

Em teus braços
esqueço todas as regras
Tiro a máscara de visita
deixo do lado de fora a fera
Descanso garras e armas
dispo-me das tintas de guerra
Guardo o escudo protetor
misturo-me às cores da terra


Indomavelmente sucumbida
permito-me ser fraca, carente
ingênua lua sorrindo
dou adeus a títulos, direção
Viajo completamente nua
Exorcizo competição
Entrego-me ao eu que me dás
reconheço-me em tuas mãos


Sou fracasso e sucesso
no mesmo lado da moeda
não tenho medo de perder
Sou o que teus olhos refletem
No outro lado és tu
incansavelmente confuso
paradoxalmente seguro
meu horizonte a correr

Em teus braços posso ser eu
Sem medo de me perder...

04.11.2008

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Novamente Mauina




Mauína é minha cidade imaginária que criei no fim de 2007, quando o desafio da oficina literária era escrever sobre o vento.

E para que não navegues no escuro vai aí uma amostra desse meu mundinho onde eu aporto quando estou afeita a solitude ou apenas querendo voar...



O Vento de Mauina


Meu pai contava uma história de um lugar mágico onde existiam plantas que produziam uma variedade de frutas numa única árvore - tipo goiaba, carambola, maçã e jaca, num pé só - e do tamanho da nossa fome. Onde dos rios jorrava água mineral e das cachoeiras sucos de frutas coloridos e as cacimbas ofereciam, à distância da mão, chocolate quente. Lá podíamos colher sorvetes, pirulitos e algodão-doce nos galhos das árvores. Além disso, havia muito sol e as brincadeiras eram a única labuta diária; nem preciso falar que não lá não existia escola ou trabalho. E esse lugar se chamava Travinel.
Travinel ocupava meu principal foco nos sonhos da infância. Era como a Pasárgada do Manuel Bandeira. E coincidentemente ambos – Bandeira e meu pai- eram pernambucanos. Vai ver que havia algo misturado na água pernambucana que faziam as pessoas sonhar com o impossível..., o que já explicaria também essa minha mania de utopias...
Mas, dizem os antigos, que há umas três léguas de Travinel encontrava-se a cidade de Mauina, um pequeno povoado onde as casas não tinham telhados, pois nunca havia chovido no lugar. Somente os mais velhos que tinham registrado nas rugas suas andanças por outras paragens é que falavam da chuva. A geração mais nova pensava que a chuva era algo sobrenatural como fadas, gnomos, bruxas...
Em Mauina o calor durante o dia era intenso, e apesar de ser uma região de muitos coqueiros não havia vento nas árvores. As folhas ficavam estáticas como se pesassem toneladas, cada uma.
Durante o dia os moradores cuidavam de se ajeitar com o calor do jeito que podiam. Os homens que quase todo dia ficavam por conta da agricultura de vez em quando se refrescavam nos inúmeros riachos e córregos da região. As mulheres entre o fogo das panelas alternavam as lavagens de roupa e as prosas embaixo das mangueiras para se refrescarem. E as crianças ninguém sabia onde andavam, mas sempre davam um jeito de tapear o calor, visto que quase sempre chegavam com as roupas enlameadas.
Mas a cidade passava o dia em estado de alerta como ficamos quando estamos esperando chegar a hora de um encontro marcado.
Este encontro acontecia à noite por volta das oito horas quando vinha surgindo devagarzinho um vento que inebriava toda a cidade.
Os moradores já haviam me falado:
- Dona, o vento vem do mar, que fica a uns quatrocentos quilômetros daqui, por isso que só chega à noite, pois passa o dia viajando e arrasta consigo tudo que encontra no caminho trazendo esse cheiro de mistério e aventura.
O vento chegava pontualmente, se infiltrando nas casas que sempre estavam de portas abertas. Ele sacudia o cabelo das mulheres e rodopiando ao redor dos corpos penetrava entre as pernas das moças levantando suas saias e as convidando para sair.
Nessa hora começava um assobio como se estivesse chamando todos para uma festa e as pessoas que estavam engaioladas nas suas casas saiam à rua para conversar na calçada.
As crianças ao ver seus pais ocupados em alegres conversas nos terreiros aproveitavam para brincar de pique - esconde, cirandas de rodas e todas as possíveis brincadeiras infantis.
E as moças e rapazes aproveitando a distração dos mais velhos, e justificando os hormônios em alta, sumiam nas asas do vento para os lugares mais escuramente distantes que podiam encontrar.
Às dez horas o vento atingia o clímax e se podia sentir um calor frio, gostoso, que percorria todo o corpo e várias conversas eram deixadas pela metade na ânsia de dar vazão a este calor.
Mas por volta de meia-noite o vento começava a dar adeus e ia embora devagarzinho, se despedindo de todos, assumindo o compromisso de voltar no dia seguinte trazendo o cheiro do mar e o gosto das seduções.
Conto de Jeanne Maz

O desafio era VACA, pode?


Para Oficina Literária, 09/02/2009


O exercício era criar um texto com a palavra : VACA. Ai,ai,ai, para uma urbana como eu que quase só vejo vaca em filmes foi difícil. Mas lá vai o fruto desta aventura, que passa em Mauína...

VACA AMARELA

Sentada na minha escrivaninha arrumando os livros intocáveis que ainda tencionava ler, aguardava o chamado da noite que vinha nas asas do vento. Quando de repente ele chegou à forma de vozes infantis, alegres e dissonantes, trazia consigo a cantiga: “ vaca amarela pulou da janela, quem falar primeiro come a bosta dela”
Retrocedi imediatamente à infância e relembrei essas brincadeiras, parcas e sempre às escondidas que disfarçavam a infância pobre e carente de afetos, mas que por serem tão raras tinham sempre sabor de fruta roubada.
Quando com os primos à primeira vez que ouvi esta frase, com uns nove anos, me calei de verdade e acostumada que era com o silêncio, eu quase sempre me consagrei campeã quando o lance era ficar quieta. Acredito que mais por compensação da estática minha imaginação sempre voou livre e me pus a pensar numa vaca amarela, imensa, volumosa, com jeito de animal de livros infantis- que era a única forma de vaca que eu conhecia - pulando sorridente a janela. É na minha visão a vaca pulava quase voando no maior sorriso e muito feliz por estar indo embora. Muitas vezes no meu postigo quis ir com ela...
E de pulo em pulo, em várias esquinas percorridas, não é que me deparei no ano passado com uma vaca amarela posta num museu? Verdade! O quadro feito pelo artista alemão Franz Marc foi dado como presente de casamento para sua segunda esposa e seu grande amor. No quadro Vaca Amarela via-se ao centro uma vaca que para o artista era o símbolo da vida. O amarelo simbolizava o feminino, a espiritualidade e a alegria do momento íntimo. O seu enlace permitia a vida e o feminino adentrar na sua criatividade e lhe sorrir como a vaca, dando coices no ar.
Fiquei pensativa olhando para o lindo quadro e embora a vaquinha também me sorrisse, eu é que sorri para mim pensando na mudança temporal de costumes. Imaginei a repetição desta bizarra cena nos dias atuais e a noiva, independente de classe sociocultural, ao receber o quadro automaticamente arengar: Que será que ele queria dizer me dando um quadro de uma vaca? Será que queria dizer que estou gorda? pesada? cheinha? ou está mesmo me chamando de vaca? E inevitavelmente o quadro seria destruído. Bem, era até capaz de o casamento também.
Mas felizmente Maria Franck não pensou assim e viveu com o amado pelo restante da curta vida dele, tornando-se imortal em suas telas. E no mutismo contemplativo agradeci a ela o prazer de reencontrar a minha amiga da infância.
Porém agora ouço novamente o vento cantante com nuances infantis me chamar e não consigo mais resistir...

De um momento perfeito... que realmente existiu



O exercício era criar um texto (pequeno, ou não) de chofre, sem parágrafos, uma explosão de idéias, um vômito liberado, sem amarras...

Eis aí o filme, sem revisão e sem cortes...

DE UM MOMENTO PERFEITO


Toda pequena alegria da sua vida havia passado rapidamente, assim como passaram os enganos, desejos, as primaveras, os domingos... e agora aquela felicidade chegava não em pequenas amostras voláteis mas sim embalando perenemente as retinas e a desconcertava, pois a jogava num caminho novo, como se cega estivesse, e sem guias, e ela não podia acreditar que isto acontecesse na sua vida e mais difícil era confiar que permanecesse assim, o medo era de ser castigada com uma infelicidade maior quando descobrissem o engano. Até conversou com uma amiga sobre isso que levantou um pensamento no mínimo engraçado “ É verdade, você tem razão: Deus deve ter errado de programação, leu o script errado, pois o seu destino é ter uma vida complicada e infeliz sempre, então munida de toda sua capacidade que é maior que a divina, a sua função é consertar esse engano de Deus. Escreva uma carta de reivindicação solicitando que ele reveja a sua sorte, que ele pare de cometer erros e mande a felicidade para outra pessoa” . Sim, o pensamento era ridículo, mas durante muito tempo era difícil para ela acreditar que “ser feliz é o normal” e que anormal é viver infeliz. Mas agora ela sabia estar vivendo um estado inesgotável e sublime e a lembrança doce do momento atípico em que os elos se uniram e a magia se instalou era um espetáculo único, um delírio emotivo que a inebriava freqüentemente, pois já estavam juntos há alguns meses e todo percurso dos dois foi uma estrada ascendente de expectativas até chegar ao platô confortável em que se encontrava desde então e as imagens viam como um retrato vivido várias vezes, mas que causava um encanto maior cada vez que era visitado. “Naquele momento eu soube que havia estado viva e percorrido estes anos de batalha para estar pronta para viver com ele, para compartilhar cada experiência, cada dor, cada sorriso e percebi isso no instante em que tudo foi perfeito - simples e perfeito - como tinha de ser. Fui para o jardim dele e peguei inúmeras sementes da planta que estava exuberante naquele início de verão, a chuva de ouro, e sem me dar conta do porquê resolvi retribuir toda felicidade e presentear a natureza polinizando uma estrada,como se pássaro eu fosse, e sem precisar pedir ele já era o co-autor da aventura o cúmplice da felicidade e do ato, ele dirigindo o carro devagar, margeando a estrada para que eu pudesse jogar as sementes, criamos então um caminho dourado que ligou o jardim dele ao meu e com isso a nossa aliança estava selada e inquebrantável. Naquela viagem viramos pássaros e resolvemos voar juntos.
Texto de Jeanne Maz

O que vem para ficar


Uau!!!
Decidi que este ano de 2009 será diferente...então comecei fazendo promessa - vixe Deus mania de nordestina, eu com promessas de novo! - mas é que prometi seguir todos os exercícios da Oficina Literária que participo há uns dois anos e o resultado semanal será postado aqui. Pra não chatear o santo, apesar de crer piamente ter um crédito extra lá em cima é bom cumprir os acordos feitos.
E contra a monotonia de vez em muito espero mostrar também outros textos não alavancados à oficina, textos sobre artes e as produções visuais que meu apoucado tempo permitir...
Beijo carinhoso,

jeanne maz