segunda-feira, 16 de março de 2009

Carnaval no paraíso


Para Oficina Literária, 02/03/2009 que passou para 09/03/09
Jeanne Maz

Bem, o professor se esqueceu – creio que o amor o atropelou - e não estabelecemos o tema na aula; no entanto como no meio do caminho surgiu o Carnaval aproveitei o ensejo, e a história boa que me caiu no colo, e construí o texto abaixo.
Perdoe-me se estou usando muito o meu cotidiano nos textos, mas é que ando muito feliz e por ser condição tão rara na minha vida não consigo parar de querer amarrá-la no que escrevo.
E enquanto os personagens não baterem na minha porta sigo me usando em palavras...

Carnaval no Paraíso

A proposta era um carnaval diferente – e apesar de oriunda da terra do frevo e do maracatu – não pude recusar.
– Vamos passar o fim de semana de carnaval numa casa de praia calma e tranqüila no sul da Bahia, sem luxo, sem outras pessoas e sem folia. É tudo muito simples, quase uma casinha de sapê. Topas?
Lembro da música: “...jogue suas mãos para o céu, e agradeça se acaso tiver, alguém que você gostaria que estivesse sempre com você, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê...” Que maravilha. Agora eu tenho! É ele.
– Eu topo.
– Sairemos na sexta bem cedo. 6h tá bom? Combinado?
Arrumo malas. Aviso a família e amigos.
– Chefe? Nem pensar, pois senão ele não vai deixar. Falto sem avisar. É melhor ?!? Sério. Depois explico a ele.
E começo a sonhar com a viagem. Vejo o itinerário. O caminho de Brasília para Nova Viçosa (BA), esse era o nome da cidade, teoricamente era 1370km, averigüei no Google para não ter surpresas, peguei um mapa e embarcamos no meu carro apenas com uma hora de atraso. O que creio ter sido já um imenso lucro.
Resolvemos pegar um atalho (?) por Montes Claros e ganhamos extra 300 km: a mais. Tudo bem. Tráfego menos pesado, pois não passamos em Belo Horizonte.
Porém, ainda nas estradas de Minas, quase chegando na Bahia, fomos parados por uma blitz ao ultrapassar em local proibido.
– Documento do carro?
-Meu Deus! Muita calma nesta hora.
Descreverei a cena: eu procurando horas naquela bolsa enorme de mulher, arrumada em cima da hora. Depois de vasculhar todo o meu arsenal feminino de papéis e afins. Olho para os dois: - Não encontrei o documento!!!
– Poxa trouxe por engano o documento do ano passado, esqueci o atual. – Moço o carro é meu. Tá aqui minha carteira. Tá aqui o documento de 2007 e 2006. Não roubei meu próprio carro. Sei que dá apreensão do veículo, mas nos livra dessa, tá?
Depois de minutos que foram séculos o Seu Silva teve pena e nos liberou. Não sem antes ganharmos a multa da ultrapassagem. Mas ufa!!!Que sorte.
– Desculpa a culpa foi minha. Esquecer o documento foi um erro terrível. Sei que é imperdoável. Desculpa mesmo.
– Não te preocupa, tá tranqüilo, a culpa foi minha de termos parado e ter o documento solicitado. Se for assim eu também errei...
Gente isso merece uma pausa no filme: Em outra época, com outro parceiro, eu seria “a Prometeu” da estrada pois teria o fígado comido, e com certeza em pedaços temperados. E agora não levo nenhuma bronca? “Obrigada universo, que maravilha, este é realmente o homem da minha vida”
E assim chegamos a Nova Viçosa às 2:40h da manhã do sábado.
Esperavá-nos uma casinha branca, uma fachada vermelha – poxa adoro vermelho! – e uma varanda grande, gostosa. Depois um jardim lindo com coqueiros, cajueiros e vários tipos de bromélias.
– Nem acredito que é uma alameda de amendoeiras no portão. E depois o mar, bem ali, quase ao alcance das mãos. O céu estrelado. A lua nova. – Que maravilha. Deus existe!!!
– Bem, vamos entrar. Cadê a chave?
– Não encontrei a chave. O caseiro não deixou a chave no lugar marcado. Acho que ele fez de propósito, por segurança, sabe? O Diassis trabalha aqui há séculos e cuida disso como se fosse dele. Ele não deve ter confiado em deixar a chave. Não poderemos entrar! Talvez eu me lembre onde ele mora, ou encontre alguém que saiba, senão só pela manhã quando ele chegar.
-Vamos para cidade?
Penso: Tô com fome, cansadíssima, com quase 24h no ar, mas tudo bem. Fazer o quê? Será que Deus existe mesmo? Acho que não. E se eu matasse o caseiro amanhã? Será que alguém me prenderia por um crime justificado deste?
Com esses pensamentos sorrio e encaro a nova batalha que se acerca.
A cidade que imaginei pequena, ou melhor, me foi descrita com olhos de uns 20 anos atrás, tinha uma parte antiga construída pelos holandeses e no lado desta uma praça cheia de gente, barracas e trio elétrico. Na avenida principal várias lanchonetes e pizzarias.
Sem encontrar nenhuma chave perambulando no local fomos à Praia Lugar Comum onde havia uma orla marítima com barracas, e a bebida ainda imperava com força total e com muito movimento. – Comida? Não tem mais nesta hora.
– Vamos à Praça do Pau Fincado? (nomes lindos, né gente?)
E fomos. Paramos num bar-restaurante, para jantar , o único aberto às 4h. A música sertaneja tocando era alta e aterradora, mas àquela hora o que esperar?
- Queríamos uma cerveja gelada e peixe frito. Tem como fazer?
- Temos peroá, serve? "Vô trazê pru sinhô olhá". E dá sim pra fazê agorinha.
Nem acreditei: cerveja geladíssima, peixe delicioso e - pasmem! - assim que sentamos a música foi trocada para Pink Floyd.
Pensei: será que a fome e o cansaço estão alterando a minha consciência? É um delírio?
Incrível gente, era tudo real. Pensei novamente: Deus existe! e nem está sozinho, deve ter anjos e arcanjos mesmo!
Voltamos para casa, sem chave, quando o dia já quase nascia e dormimos no chão da varanda, abraçados para amainar a dureza do piso e a falta de lençol, mas já sonhávamos com os anjos que eu sabia existir.
Quando o caseiro chegou já estávamos no mar de água quente, com um céu azul e um sol que prometia esquentar aquele carnaval. Já nem me lembrei de matar o simpático homem.
E confesso que a partir do instante que adentramos na casa, tudo foi perfeito e o paraíso se fez na terra naqueles quatro dias maravilhosos...
E ao voltar para minha Brasília não é de se estranhar que freqüentemente me vem a memória uma outra música:
... I wanna to go back to Bahia...
Texto de Jeanne Maz

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