segunda-feira, 30 de março de 2009

Um texto para não perder a magia...


Esse texto foi criado há muito tempo, para oficina literária, o desafio era falar de mar sem usar: praia, areia, sol, céu,lua, ondas...
Por alguma razão é um texto que me comove, gostaria de compartilhar...
REENCONTRO

Era um fim de tarde primaveril, naquela hora do crepúsculo em que tudo adquire tons alaranjados e a água reflete tantas matizes de cores que parece a palheta de um pintor.
Heloísa segue melancólica, atravessando a Avenida Atlântica, naquele mesmo ponto onde inúmeras vezes veio brincar com a filha nos fins de tarde, ao sair da sua mãe, antes de ir para o Leblon.
Ao sentir seus pés naquele tapete branco, ainda morno, naquela hora do dia, sentiu uma emoção muito forte. Após vinte anos voltava àquele lugar. Demorou muito a se sentir preparada para pisar ali novamente.
Lembra que tudo tinha sido muito rápido, a notícia que sua filha, Carmem, tinha uma doença grave a pegara de surpresa. A seguir o diagnóstico de um tipo raro de Leucemia e em menos de três meses a notícia:
— Sinto muito...mas sua filha morreu!
Depois disso uma tristeza lancinante, sem limites! Seguida de um mergulho num vazio que deixou várias lacunas na sua vida. Parece que sua vida entrou num redemoinho tão confusamente doloroso que pouco se lembra desta época. Não que a dor tenha sido minimizado com estes esquecimentos, não...o que aconteceu é que ela não estava naqueles dias neste mundo...
Agora, enquanto sentava na terra ainda molhada, pensou:
— Hoje, exatamente hoje, ela faria trinta anos!
E como um carinho na alma sentiu que naquele momento tinha de estar ali. Naquele mesmo lugar, onde várias vezes, Carmem fez seus castelinhos encantados que a água teimosamente desmanchava. Ela gostava de passar o dia na casa da avó só para poder ir brincar na terra macia. Ficava concentrada fazendo sua obra de arte, como hipnotizada.
— Carmem, vamos! Já está escurecendo, temos de ir.
— Mas mãe, deixa eu ficar mais um pouquinho, tô terminando o castelo mais lindo do mundo...
— Só dez minutinhos e nós vamos de qualquer jeito, entendeu garotinha? Acho que por você a gente morava aqui, né?
— Ah! eu adoro ficar aqui...espera só um minutinho, por favoooooooor...
Heloisa recorda que após uns seis longos meses, depois do enterro, recomeçou a vida; mas onde olhava, onde andava, onde resistia, parecia que estava faltando algo...se sentia como se não merecesse estar viva, era um erro ter sobrevivido e sua filha não...
Mas como um presente, um ano após esta perda imensa, se descobriu grávida novamente e assim nasceu Mariana, que veio para ser sua grande companheira.
O sofrimento nunca cessou, mas se atenuou com a chegada de alguém que precisava de cuidados e que rapidamente se mostrou muito inteligente e brincalhona fazendo sorrir a casa inteira.
Aliás, tinha marcado com Mariana para fazer umas compras no Barra Shopping. — Já estou em cima da hora. Tinha que ir.
Quis sair, mas algo a prendia àquele lugar. Tirou a sandália e se dirigiu àquele vai vem de água azul, gelada. Ao molhar os pés sentiu um cheiro de lembrança antiga, salgada...reviveu outro Rio de Janeiro, outra Heloísa, outra filha...e chorou copiosamente.

Calçou a sandália e começou a fazer o caminho de volta. Ainda não tinha chegado a rua quando ouviu uma gargalhada baixa e familiar e um — tchau, mamãe – como não ouvia há séculos...
Virou-se bruscamente, como se pudesse repentinamente voltar no tempo, mas não havia ninguém.
Tudo começava a escurecer, embora o reflexo lunar já começasse a ser desenhado na água.
Voltou-se para ir embora e ouviu novamente:
— Até logo mamãe.
Desta vez ela não olhou para trás, para não perder a magia, e respondeu sorrindo:
— Até logo filha.
E saiu pisando no chão macio, bem lentamente, e com a certeza que iria voltar ainda muitas vezes, naquele lugar, para reencontros muito especiais...
Texto de Jeanne Maz

segunda-feira, 16 de março de 2009

Carnaval no paraíso


Para Oficina Literária, 02/03/2009 que passou para 09/03/09
Jeanne Maz

Bem, o professor se esqueceu – creio que o amor o atropelou - e não estabelecemos o tema na aula; no entanto como no meio do caminho surgiu o Carnaval aproveitei o ensejo, e a história boa que me caiu no colo, e construí o texto abaixo.
Perdoe-me se estou usando muito o meu cotidiano nos textos, mas é que ando muito feliz e por ser condição tão rara na minha vida não consigo parar de querer amarrá-la no que escrevo.
E enquanto os personagens não baterem na minha porta sigo me usando em palavras...

Carnaval no Paraíso

A proposta era um carnaval diferente – e apesar de oriunda da terra do frevo e do maracatu – não pude recusar.
– Vamos passar o fim de semana de carnaval numa casa de praia calma e tranqüila no sul da Bahia, sem luxo, sem outras pessoas e sem folia. É tudo muito simples, quase uma casinha de sapê. Topas?
Lembro da música: “...jogue suas mãos para o céu, e agradeça se acaso tiver, alguém que você gostaria que estivesse sempre com você, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê...” Que maravilha. Agora eu tenho! É ele.
– Eu topo.
– Sairemos na sexta bem cedo. 6h tá bom? Combinado?
Arrumo malas. Aviso a família e amigos.
– Chefe? Nem pensar, pois senão ele não vai deixar. Falto sem avisar. É melhor ?!? Sério. Depois explico a ele.
E começo a sonhar com a viagem. Vejo o itinerário. O caminho de Brasília para Nova Viçosa (BA), esse era o nome da cidade, teoricamente era 1370km, averigüei no Google para não ter surpresas, peguei um mapa e embarcamos no meu carro apenas com uma hora de atraso. O que creio ter sido já um imenso lucro.
Resolvemos pegar um atalho (?) por Montes Claros e ganhamos extra 300 km: a mais. Tudo bem. Tráfego menos pesado, pois não passamos em Belo Horizonte.
Porém, ainda nas estradas de Minas, quase chegando na Bahia, fomos parados por uma blitz ao ultrapassar em local proibido.
– Documento do carro?
-Meu Deus! Muita calma nesta hora.
Descreverei a cena: eu procurando horas naquela bolsa enorme de mulher, arrumada em cima da hora. Depois de vasculhar todo o meu arsenal feminino de papéis e afins. Olho para os dois: - Não encontrei o documento!!!
– Poxa trouxe por engano o documento do ano passado, esqueci o atual. – Moço o carro é meu. Tá aqui minha carteira. Tá aqui o documento de 2007 e 2006. Não roubei meu próprio carro. Sei que dá apreensão do veículo, mas nos livra dessa, tá?
Depois de minutos que foram séculos o Seu Silva teve pena e nos liberou. Não sem antes ganharmos a multa da ultrapassagem. Mas ufa!!!Que sorte.
– Desculpa a culpa foi minha. Esquecer o documento foi um erro terrível. Sei que é imperdoável. Desculpa mesmo.
– Não te preocupa, tá tranqüilo, a culpa foi minha de termos parado e ter o documento solicitado. Se for assim eu também errei...
Gente isso merece uma pausa no filme: Em outra época, com outro parceiro, eu seria “a Prometeu” da estrada pois teria o fígado comido, e com certeza em pedaços temperados. E agora não levo nenhuma bronca? “Obrigada universo, que maravilha, este é realmente o homem da minha vida”
E assim chegamos a Nova Viçosa às 2:40h da manhã do sábado.
Esperavá-nos uma casinha branca, uma fachada vermelha – poxa adoro vermelho! – e uma varanda grande, gostosa. Depois um jardim lindo com coqueiros, cajueiros e vários tipos de bromélias.
– Nem acredito que é uma alameda de amendoeiras no portão. E depois o mar, bem ali, quase ao alcance das mãos. O céu estrelado. A lua nova. – Que maravilha. Deus existe!!!
– Bem, vamos entrar. Cadê a chave?
– Não encontrei a chave. O caseiro não deixou a chave no lugar marcado. Acho que ele fez de propósito, por segurança, sabe? O Diassis trabalha aqui há séculos e cuida disso como se fosse dele. Ele não deve ter confiado em deixar a chave. Não poderemos entrar! Talvez eu me lembre onde ele mora, ou encontre alguém que saiba, senão só pela manhã quando ele chegar.
-Vamos para cidade?
Penso: Tô com fome, cansadíssima, com quase 24h no ar, mas tudo bem. Fazer o quê? Será que Deus existe mesmo? Acho que não. E se eu matasse o caseiro amanhã? Será que alguém me prenderia por um crime justificado deste?
Com esses pensamentos sorrio e encaro a nova batalha que se acerca.
A cidade que imaginei pequena, ou melhor, me foi descrita com olhos de uns 20 anos atrás, tinha uma parte antiga construída pelos holandeses e no lado desta uma praça cheia de gente, barracas e trio elétrico. Na avenida principal várias lanchonetes e pizzarias.
Sem encontrar nenhuma chave perambulando no local fomos à Praia Lugar Comum onde havia uma orla marítima com barracas, e a bebida ainda imperava com força total e com muito movimento. – Comida? Não tem mais nesta hora.
– Vamos à Praça do Pau Fincado? (nomes lindos, né gente?)
E fomos. Paramos num bar-restaurante, para jantar , o único aberto às 4h. A música sertaneja tocando era alta e aterradora, mas àquela hora o que esperar?
- Queríamos uma cerveja gelada e peixe frito. Tem como fazer?
- Temos peroá, serve? "Vô trazê pru sinhô olhá". E dá sim pra fazê agorinha.
Nem acreditei: cerveja geladíssima, peixe delicioso e - pasmem! - assim que sentamos a música foi trocada para Pink Floyd.
Pensei: será que a fome e o cansaço estão alterando a minha consciência? É um delírio?
Incrível gente, era tudo real. Pensei novamente: Deus existe! e nem está sozinho, deve ter anjos e arcanjos mesmo!
Voltamos para casa, sem chave, quando o dia já quase nascia e dormimos no chão da varanda, abraçados para amainar a dureza do piso e a falta de lençol, mas já sonhávamos com os anjos que eu sabia existir.
Quando o caseiro chegou já estávamos no mar de água quente, com um céu azul e um sol que prometia esquentar aquele carnaval. Já nem me lembrei de matar o simpático homem.
E confesso que a partir do instante que adentramos na casa, tudo foi perfeito e o paraíso se fez na terra naqueles quatro dias maravilhosos...
E ao voltar para minha Brasília não é de se estranhar que freqüentemente me vem a memória uma outra música:
... I wanna to go back to Bahia...
Texto de Jeanne Maz

Fim de Semana


Para Oficina Literária, 16/02/2009 (in atraso)

O desafio era: Fim de Semana. Teoricamente fácil. De certo modo pensei que era um tema simples e que não geraria dificuldades.
Como eu estava enganada. Nem sempre o que supomos fácil, ita est...


Promessa Cumprida


Após vãs tentativas a frustração se impôs e chego ao veredicto que o tema fim de semana não me transportou para nenhum universo alternativo, nem nenhuma ficção veio ao meu encontro e nem a minha Mauína, cidade imaginária, conseguiu me inspirar
Rendo-me então ao contexto que está à minha mão e vou falar do meu pessoal e particular fim de semana. Isso deve dar uma crônica e não conto, mas a idéia é produzir texto, portanto não está configurada a especificação de algum gênero literário, né? O que já me antecipa se em um belo dia a poesia me bater à porta...
Vamos então começar pela sexta-feira, que foi 13. Um dia que carrega uma gama de superstição tão ampla que se para alguns significa infortúnio certo para outros é sinal de bom agouro.
Mas de onde vem toda essa superstição em torno da sexta-feira 13? Vamos tentar decifrar um pouco este enigma? Acredita-se que vem inicialmente de duas lendas nórdicas e que, portanto, influenciaram todos os países anglo-saxônicos.
A primeira parece explicar o estigma do número 13 e conta que houve um banquete em Valhalla - ou Valla -, o palácio para onde íam os guerreiros mortos em batalha, para o qual foram convidadas 12 divindades. Loki, o deus do fogo e da discórdia, uma espécie de deus dos infernos, não foi convidado e, enciumado, apareceu sem ser chamado e armou uma cilada onde morreu Baldur, o deus do Sol ou da luz, o preferido de Odin, deus dos deuses. Deste relato surgiu a idéia de que ter 13 pessoas à mesa para um jantar era desgraça na certa e que no período de um ano um destes convidados morreriam.
Diz a segunda lenda que na Escandinávia existia uma deusa do amor, da paixão, da beleza e fertilidade chamada Freya ou Frigga (que deu origem a friadagr, friday, sexta-feira nas línguas anglo-saxônicas). Quando as tribos nórdicas e alemãs se converteram ao cristianismo, a lenda transformou Frigga em uma bruxa exilada no alto de uma montanha. Conta então que para vingar-se, ela passou a reunir-se todas as sextas com outras onze bruxas e mais o demônio - totalizando treze - para rogar pragas sobre os humanos por tê-la desprezado.
Então se chegou à Escritura Sagrada, onde este dia, para os cristãos, virou um símbolo de desgraça, já que 13 eram os convivas da última ceia de Cristo e, dentre eles, Jesus que morreu na sexta-feira. Judas foi tipo um “Loki” deste especial banquete. Só que convidado...


E vem daí o costume de muitas pessoas evitarem viajar em sexta-feira 13; e de que vários teatros no mundo a numeração dos camarotes omite, por vezes, o 13; e em alguns hotéis não há o quarto de número 13 ou pulam do 12º para o 14º andar.
Tive a oportunidade de ficar hospedada no ano passado no Hotel Roosevelt em Nova York e comprovei in loco o que eu achava existir só em filme. O Hotel realmente aboliu o décimo terceiro andar do prédio para evitar azar e realmente, por coincidência, fui extremamente feliz quando estive lá. Tudo bem que tenho sorte sempre que viajo, mas...
Bem, como se vê, a crença na má sorte do número ainda está bastante arraigada mesmo nos países que mais cultuam o científico e racional. Mas isso é tão arbitrariamente entendido que o mesmo algarismo, em vastas regiões do planeta - inclusive países cristãos – é tido também como símbolo de boa sorte.
O argumento dos favoráveis, principalmente àqueles ligados à numerologia é que a soma dos números dá 4, sendo este símbolo de próspera sorte. Na Índia o 13 é um número religioso muito apreciado e não raramente vários templos indus têm 13 budas. E na China, é muito comum os letreiros místicos dos templos serem encabeçados pelo número 13.
Em contrapartida, o Centro Holandês de Estatísticas sobre Seguridade realizou um estudo estatístico em 2008 sobre a data e confirmou que acidentes de trânsito e relatos de incêndios e roubos são menos freqüentes no dia 13 do que em outras sextas-feiras do mês. "É difícil acreditar que isso ocorra porque as pessoas são, preventivamente, mais cuidadosas, ou simplesmente ficam em casa nesse dia, mas estatisticamente falando, dirigir é mais seguro na sexta-feira 13", disse Alex Hoen, um dos responsáveis pela pesquisa.
Bem, nesta minha sexta-feira 13 eu tinha motivos de sobra para comemorar. E sabendo de antemão que era mais seguro para meus amigos dirigirem para minha casa neste dia, convidei, só por garantia, claro, um número maior de pessoas para ultrapassar os treze e chamei uma turma para tomar chopp comigo após um ano sem poder desfrutar deste néctar.
- Por quê? Eu explico.
Em 2008, no dia 13 de fevereiro, me submeti à minha 27º cirurgia e havia uma suspeita de câncer pairando no ar. Como toda boa nordestina criada na religião católica não pensei duas vezes: vou fazer uma promessa para me safar deste mal! Inicialmente pensei em ficar um ano sem bebidas alcoólicas, mas o bom senso chegou à tempo e prometi passar um ano sem cerveja, nem chopp. E já sem o fantasma de malignidades, mas sem útero, tive de pagar a promessa. E achei oportuno fazer uma comemoração digna para este momento especial de voltar à ativa.
E agradeço a todos que ouviram o chamado da deusa Frigga e se fizeram presente para este momento em que um barril geladíssimo de chopp e as comidelas maravilhosas que Noeme e a minha amiga Ivana nos brindaram.
Acordo no sábado com a cabeça rodando, um peso na cabeça semelhante ao que Atlas levava e aquele característico gosto de cabo de guarda-chuva, mas cadê tempo para me dedicar como se deve à velha companheira ressaca. – Tenho de trabalhar.
Despeço-me do meu príncipe com cuidado de deixar um sapatinho marcado e corro para o plantão que hoje é dia de borralha para mim. Explico novamente sou médica e o meu sétimo dia da semana não é dia de repouso não. Neste em particular, por infortúnio, eu estava de plantão de 7 às 13h e também de 19 às 7h.

Não sei se sabe caro leitor, mas os nomes do dia da semana antes eram todos em homenagens aos deuses. Mas chegou a igreja católica e mudou tudo. Ela resolver transformar o primeiro e o último dia da semana em dias santos e não dia de feria ou feira, mercado. Foi assim que o dia de Saturno - o primeiro deus - Saturday se tornou sábado. A palavra vem do latim sabbatum que derivou do shabat ou sabá hebraico que quer dizer descanso ou dia de oração.
No meu caso, o meu sabá não foi de descanso nenhum e nem oração e sim dedicado exclusivamente ao Deus Asclépio.
Mas nada como um dia atrás do outro.
Acordei no plantão e resolvi aproveitar este dia que é tão especial para pessoas de quase todos os países do nosso planeta. Domingo vem do latim dies dominicus que significa Dia do Senhor. Mas para os de origem não latina é o dia dedicado ao deus Sol, Sunday.
Neste domingo em particular me juntei aos antigos pagãos e transformei o meu primeiro dia da semana num dia de festa e animação. Lembra da sexta-feira? – Sobrou quase meio barril. Chamei alguns poucos amigos para minha casa com intuito único do “ não desperdício” claro, e entre risoto, risos e chopp nem notamos que caiu uma grande chuva no nosso dia de sol.