terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Novamente Mauina




Mauína é minha cidade imaginária que criei no fim de 2007, quando o desafio da oficina literária era escrever sobre o vento.

E para que não navegues no escuro vai aí uma amostra desse meu mundinho onde eu aporto quando estou afeita a solitude ou apenas querendo voar...



O Vento de Mauina


Meu pai contava uma história de um lugar mágico onde existiam plantas que produziam uma variedade de frutas numa única árvore - tipo goiaba, carambola, maçã e jaca, num pé só - e do tamanho da nossa fome. Onde dos rios jorrava água mineral e das cachoeiras sucos de frutas coloridos e as cacimbas ofereciam, à distância da mão, chocolate quente. Lá podíamos colher sorvetes, pirulitos e algodão-doce nos galhos das árvores. Além disso, havia muito sol e as brincadeiras eram a única labuta diária; nem preciso falar que não lá não existia escola ou trabalho. E esse lugar se chamava Travinel.
Travinel ocupava meu principal foco nos sonhos da infância. Era como a Pasárgada do Manuel Bandeira. E coincidentemente ambos – Bandeira e meu pai- eram pernambucanos. Vai ver que havia algo misturado na água pernambucana que faziam as pessoas sonhar com o impossível..., o que já explicaria também essa minha mania de utopias...
Mas, dizem os antigos, que há umas três léguas de Travinel encontrava-se a cidade de Mauina, um pequeno povoado onde as casas não tinham telhados, pois nunca havia chovido no lugar. Somente os mais velhos que tinham registrado nas rugas suas andanças por outras paragens é que falavam da chuva. A geração mais nova pensava que a chuva era algo sobrenatural como fadas, gnomos, bruxas...
Em Mauina o calor durante o dia era intenso, e apesar de ser uma região de muitos coqueiros não havia vento nas árvores. As folhas ficavam estáticas como se pesassem toneladas, cada uma.
Durante o dia os moradores cuidavam de se ajeitar com o calor do jeito que podiam. Os homens que quase todo dia ficavam por conta da agricultura de vez em quando se refrescavam nos inúmeros riachos e córregos da região. As mulheres entre o fogo das panelas alternavam as lavagens de roupa e as prosas embaixo das mangueiras para se refrescarem. E as crianças ninguém sabia onde andavam, mas sempre davam um jeito de tapear o calor, visto que quase sempre chegavam com as roupas enlameadas.
Mas a cidade passava o dia em estado de alerta como ficamos quando estamos esperando chegar a hora de um encontro marcado.
Este encontro acontecia à noite por volta das oito horas quando vinha surgindo devagarzinho um vento que inebriava toda a cidade.
Os moradores já haviam me falado:
- Dona, o vento vem do mar, que fica a uns quatrocentos quilômetros daqui, por isso que só chega à noite, pois passa o dia viajando e arrasta consigo tudo que encontra no caminho trazendo esse cheiro de mistério e aventura.
O vento chegava pontualmente, se infiltrando nas casas que sempre estavam de portas abertas. Ele sacudia o cabelo das mulheres e rodopiando ao redor dos corpos penetrava entre as pernas das moças levantando suas saias e as convidando para sair.
Nessa hora começava um assobio como se estivesse chamando todos para uma festa e as pessoas que estavam engaioladas nas suas casas saiam à rua para conversar na calçada.
As crianças ao ver seus pais ocupados em alegres conversas nos terreiros aproveitavam para brincar de pique - esconde, cirandas de rodas e todas as possíveis brincadeiras infantis.
E as moças e rapazes aproveitando a distração dos mais velhos, e justificando os hormônios em alta, sumiam nas asas do vento para os lugares mais escuramente distantes que podiam encontrar.
Às dez horas o vento atingia o clímax e se podia sentir um calor frio, gostoso, que percorria todo o corpo e várias conversas eram deixadas pela metade na ânsia de dar vazão a este calor.
Mas por volta de meia-noite o vento começava a dar adeus e ia embora devagarzinho, se despedindo de todos, assumindo o compromisso de voltar no dia seguinte trazendo o cheiro do mar e o gosto das seduções.
Conto de Jeanne Maz

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