terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O desafio era VACA, pode?


Para Oficina Literária, 09/02/2009


O exercício era criar um texto com a palavra : VACA. Ai,ai,ai, para uma urbana como eu que quase só vejo vaca em filmes foi difícil. Mas lá vai o fruto desta aventura, que passa em Mauína...

VACA AMARELA

Sentada na minha escrivaninha arrumando os livros intocáveis que ainda tencionava ler, aguardava o chamado da noite que vinha nas asas do vento. Quando de repente ele chegou à forma de vozes infantis, alegres e dissonantes, trazia consigo a cantiga: “ vaca amarela pulou da janela, quem falar primeiro come a bosta dela”
Retrocedi imediatamente à infância e relembrei essas brincadeiras, parcas e sempre às escondidas que disfarçavam a infância pobre e carente de afetos, mas que por serem tão raras tinham sempre sabor de fruta roubada.
Quando com os primos à primeira vez que ouvi esta frase, com uns nove anos, me calei de verdade e acostumada que era com o silêncio, eu quase sempre me consagrei campeã quando o lance era ficar quieta. Acredito que mais por compensação da estática minha imaginação sempre voou livre e me pus a pensar numa vaca amarela, imensa, volumosa, com jeito de animal de livros infantis- que era a única forma de vaca que eu conhecia - pulando sorridente a janela. É na minha visão a vaca pulava quase voando no maior sorriso e muito feliz por estar indo embora. Muitas vezes no meu postigo quis ir com ela...
E de pulo em pulo, em várias esquinas percorridas, não é que me deparei no ano passado com uma vaca amarela posta num museu? Verdade! O quadro feito pelo artista alemão Franz Marc foi dado como presente de casamento para sua segunda esposa e seu grande amor. No quadro Vaca Amarela via-se ao centro uma vaca que para o artista era o símbolo da vida. O amarelo simbolizava o feminino, a espiritualidade e a alegria do momento íntimo. O seu enlace permitia a vida e o feminino adentrar na sua criatividade e lhe sorrir como a vaca, dando coices no ar.
Fiquei pensativa olhando para o lindo quadro e embora a vaquinha também me sorrisse, eu é que sorri para mim pensando na mudança temporal de costumes. Imaginei a repetição desta bizarra cena nos dias atuais e a noiva, independente de classe sociocultural, ao receber o quadro automaticamente arengar: Que será que ele queria dizer me dando um quadro de uma vaca? Será que queria dizer que estou gorda? pesada? cheinha? ou está mesmo me chamando de vaca? E inevitavelmente o quadro seria destruído. Bem, era até capaz de o casamento também.
Mas felizmente Maria Franck não pensou assim e viveu com o amado pelo restante da curta vida dele, tornando-se imortal em suas telas. E no mutismo contemplativo agradeci a ela o prazer de reencontrar a minha amiga da infância.
Porém agora ouço novamente o vento cantante com nuances infantis me chamar e não consigo mais resistir...

Um comentário:

Klotz disse...

Delícia de texto. Prosa gostosa de ouvir no aconchego do sofá.

Adorei a sua idéia de postar exercícios da oficina literária.