quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Outro texto feito para o desafio de contos


A idéia era escrever sobre futebol, que eu odeio, exceto Copa do Mundo, que é uma questão de energia universal...
Resolvi da melhor maneira que pude, que foi sobre futebol no Wii, que embora não jogue, consigo navegar melhor nesta brincadeira.
Segue o resultado:


PARTIDA DECISIVA

A genética é uma ciência exata. Mas é voluntariosa como uma criança mimada! Gerados no mesmo ventre e pelo mesmo pai, Pedro e Mário são tão diferentes que mais parecem estranhos. Às vezes, acontece o contrário, pessoas guardam tanta parecença entre si sem qualquer parentesco conhecido. É, talvez, dessa natureza a semelhança entre Escobar e Ezequiel, entre Capitu e a mãe de Sancha, personagens machadianos de Dom Casmurro.
Deixando a especulação literária de lado, passemos aos nossos personagens.
Mário, o mais velho, tem olhos levemente repuxados, cabelos negros, pele bronzeada, traços herdados evidentemente de algum ancestral negro ou indígena. É um daqueles morenos entroncados que imprimem respeito e temor por onde passa. Pedro, por sua vez, tem a pele leitosa, é de feições delicadas e pouco viris. E aonde vai suscita o carinho ou a piedade das moças sensíveis.
Como deu acontecer, a diferença não é apenas no biótipo é também de caráter. E a convivência dos irmãos sob o mesmo teto era naturalmente tensa e conflituosa. Não pense que era Mário o brigão. Pela confiança que tinha em si ele não precisava provar sua capacidade para ninguém. Não era um covarde, porém reservava-se a usar a força apenas quando era desafiado. Já o caçula pertencia àquela casta de pessoas que desde cedo entendem a vida como uma grande competição.
É lógico que Pedro reconhecia a superioridade física e mental do irmão. E, por mais que seus pais lhes pedissem, as brigas, as disputas, eram diárias. Pedro era quase sempre o perdedor. Aquela sucessão de derrotas foi lhe despertando um ódio mortal do irmão. Intrigaram-se. Deixaram de se falar. Ao se cruzarem no corredor de seus quartos ambos mudavam de direção. Enquanto isso, Pedro estudava um jeito de vencer definitivamente Mário.
– Mário, sei que era para não nos falarmos mais...
Provocou Pedro forçando uma aproximação
–. Nosso acordo foi claro. Você não me dirige a palavra e vice-versa . Não haverá brigas e tudo fica na paz. Simples assim. – Respondeu Mário com contida irritação.
– Me ouve, por favor, sabichão. Quero propor um desafio, assim resolvemos nosso problema de vez.
– Pedro, nós nunca nos entendemos. Seria melhor para todos que não mais troquemos palavras, pois inevitavelmente discutiremos. Estou cansado de você. Me esquece, cara.
– Eu também não suporto essa sua cara certinha, perfeita. É exatamente isso que quero resolver. Estava pensando nos nossos jogos de futebol que nunca saem do lugar. Descobri um futebol diferente de tudo que já jogamos. É um novo jogo baseado num futebol do México antigo e o melhor é que o perdedor é eliminado.
– Por um acaso você está falando do “juego de pelotas” que ocorria no México pré-colombiano? E que terminava sempre com a morte do time derrotado?
– Exatamente! Viu, até que nem sempre é ruim ter um irmão “nerd”. Agora você facilitou a minha explicação. Quero fazer tipo um duelo mortal entre nós. Você escolhe seu time, eu o meu. Jogamos os dois tempos e o que perder é sacrificado. Se der empate vamos para os pênaltis
–Não sei se é uma boa idéia... – Respondeu Mário desconfiado.
– Tá com medo, é, mariquinhas? – Pedro provocou.
– Ah! Vai à merda. Se eu aceitar você me deixa em paz?
– Claro, mané, será a nossa partida final.
– Então marcamos para sábado, à tarde. Certo? E até lá me esquece.
– Certo! Mas me aguarde, Mário. Você vai se surpreender!
E os irmão utilizaram os cinco dias que faltavam para conhecer, em segredo, o campo, treinar os jogadores e estudar táticas futebolísticas. Pela primeira vez, o medo da derrota foi se instalando sorrateiramente em Mário.
Chegara o grande dia. Um olhar atento mostraria a raiva e o receio escondido por trás dos sorrisos dos irmãos. O “cara ou coroa” estabeleceu o campo e o apito iniciou a partida. Os jogadores se aqueceram, largaram, disputaram a bola, e, após um drible, escuta-se o grito:
– Gooooooool!
. Era o time de Pedro. Mas, após uma falta grave, um dos jogadores do lado dele foi expulso.
– Juiz ladrão! Tá roubando de novo! – Pedro esbravejou e o rubor lhe cobriu o rosto.
– Cala a boca, Pedro. Já está procurando desculpas para a derrota?! – Disse Mário tentando retornar ao jogo.
– Sai da frente, irmão.
– Gooooool! Foi a vez do lado de Mário.
E nesse clima de quase cordialidade seguiu-se os quarenta e cinco minutos da partida.
No segundo tempo, a tensão entre os dois era palpável, o esboço de sorriso já não deu as caras. E ainda nos primeiros dez minutos, o placar pareceu se definir em favor de Pedro.
– Esse goleiro é frangueiro. Não disse?! Já ganhei! Já ganhei. – Gritou Pedro exultante.
– Deixa de ser idiota, Pedro! Parece criança! – Mário rebate.
– Eu não disse que ia ganhar?!
Os jogadores se debatiam no campo, mas evitavam faltas graves, pois a arbitragem era severa. Mas eis que o juiz comete uma falha e não marca o impedimento do atacante.
– GOOOOOOOOOOOL!
– Já ganhei. Sou o vencedor, vencedor, vencedor.! – Grita Pedro mais triunfante ainda.
E o suor escorria no rosto de Mário naquela tarde de verão do cerrado. Ele ficou em silêncio, tentando não ouvir os gritos de vitória de Pedro que o irritavam profundamente e, nesse momento, fez o passe certo:
– Goooooooooooool!
Pedro foi pego de surpresa:
– Tudo bem, imbecil. Ainda estou ganhando e faltam somente uns cinco minutos. Você vai morrer já.
Mas como dizem: ‘o jogo - assim como a vida - é um corpo-a-corpo com o destino” e quando menos esperamos ele nos surpreende.
Deu-se então o empate e o rosto de Pedro, com movimentos mastigatórios contínuos, adquiriu uma expressão de ódio mortal.
Enquanto isso, Mário se concentrava para ganhar o jogo e colocar um fim em sua angústia. Não estava suportando o comportamento do irmão e certeza que não agüentaria ir para os pênaltis.
– Goooooooooooooooooooooooool!
Ouviu-se no finalzinho da partida quase sincronizado com o apito final
Pedro não aceitou o resultado. Não podia enterrar com aquele jogo suas esperanças de matar o irmão. Protestou:
– Não aceito. O juiz roubou. Temos de jogar de novo!
– Pedro, acabou! Você vai morrer agora. Vou escolher como será sua morte.
– Não aceito, seu imbecil. Temos de ter outro jogo.
– Eu sabia! Não sei por que eu ainda acreditei em você.
– Você vai ter que jogar de novo comigo, seu patife. Covarde!
Nisso ouve-se uma voz imperativa, acostumada a comandar:
– Garotos, parem de discutir, larguem o vídeo-game e desçam para lanchar. Agora!
O protesto veio em uníssono:
– Mas, mãe! .
– Calados! Se continuarem com essa discussão vou deixá-los novamente três meses sem o “wii”.
Entredentes, Pedro sussurrou: – Você vai me pagar! Se eu ficar sem vídeo-game quebro sua cara! Você ainda me paga, sabichão!.
– Vou me lembrar de nunca mais jogar com você, Pedro
E assim seguiram os dois para atender a ordem da mãe, evitando se olhar.
Mas se continuássemos a observá-los após a merenda, teríamos visto Pedro guardar um revólver na sua antiga caixa de brinquedos e voltar para convencer Mário a marcar uma nova partida.

22/09/09


Texto de Jeanne Maz

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