terça-feira, 20 de outubro de 2009

Duas senhoras especiais

Tenho uma amiga, professora de piano e colega de Oficina de Romances, uma senhorinha encantadora de 79 anos que faz mensalmente um sarau na sua casa.
Tive o prazer de comparecer uma vez e estou me preparando para o próximo sarau que acontecerá 23/10. neste dia preparo uma homenagem às mulheres.

Segue então um dos poemas que declamarei. Este é de uma grande mulher, também encantadora de almas:

TODAS AS VIDAS
Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto. Bota feitiço...
Ogum. Orixá.Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola. Quitute bem feito.
Panela de barro. Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda. Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária. Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa, de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra. Trabalhadeira.
Madrugadeira. Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira. Bem criadeira.
Seus doze filhos. Seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

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Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 - S.Paulo, Brasil

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