quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre tristezas e criação


Recentemente passei por um período extremamente conturbado de decepções, mágoas, tristezas, - por que não confessar? - ódio.
Num período de dois meses foram abalados quase todas as bases principais da minha vida: trabalho, família, amor, amigos e vida financeira. Pela minha história de vida sei que sou resistente, mas fiquei sem chão, teto ou coluna para me segurar.

Mas, além do carinho dos amigos e da família, houve algo que foi meu principal guia nesta turbulência toda: A ARTE.
Criar quadros, painéis, desenhos, poesias e contos me fez querer continuar, me deu a força para sair do poço, me proporcionou as poucas alegrias que senti nestes últimos meses.
Deixo para reflexão dois pensamentos sobre a criação, de dois monstros iluminados, cada um a seu modo. Um trecho de um poema de quem considero o maior poeta que o mundo já teve e um aforismo d'outro que acredito ter sido o maior filósofo:

"NAVEGADORES ANTIGOS TINHAM UMA FRASE GLORIOSA
NAVEGAR É PRECISO
VIVER NÃO É PRECISO
QUERO PARA MIM O ESPÍRITO DESTA FRASE
TRANSFORMADA A FORMA PARA CASAR COM O QUE SOU
VIVER NÃO É NECESSÁRIO
NECESSÁRIO É CRIAR..."
Fernando pessoa

"A ALEGRIA ABSURDA POR EXCELÊNCIA
É A CRIAÇÃO"
Nietzsche

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sarau Câmara - 34º PAÍSES ANDINOS


Segunda-feira,26, participei de um Sarau da Câmara dos Deputados, organizado pelo meu mestre e professor Marco Antunes e desta vez ganhei um presente para representar; trata-se da "ODE AO GATO" do magistral Pablo Neruda, um dos nossos grandes poetas latinos e que foi laureado com Prêmio Nobel de Literatura.

Segue o poema para apreciação. Acredito que quem ama gatos entrará em êxtase, mas mesmo aqueles que não os ama se encantará com a maestria do poeta:


ODE AO GATO

Pablo Neruda
tradução: Eliane Zagury

Os animais foram imperfeitos,
compridos de rabo, tristes de cabeça.
Pouco a pouco se foram compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade como ele,
não tem a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil
é como a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só ranhura
para jogar as moedas da noite .

Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão,
nupcial sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor na intempérie
reclamas quando passas e pousas
quatro pés delicados no solo,
cheirando,
desconfiando de todo o terrestre,
porque tudo é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente da casa,
arrogante vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta dos quartos,
insígnia de um desaparecido veludo,
certamente não há enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti
e pertences ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios de gato,
companheiros, colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.


Não é lindo? E para quem gosta de gatos indico o blog de um grande amigo mímico, Jiddu Saldanha , que movido pela paixão a esses felinos criou um blog:
http://www.haigatos.zip.net

E ainda fez um lindo filme inspirado nessa "fera independente da casa"

http://www.youtube.com/cinemapoema#p/a/u/0/MlzniSvJaOA

sábado, 24 de outubro de 2009

Escorpião - oitavo signo

Hoje é o primeiro dia do signo de escorpião - meu ascendente - e desconfio que o culpado pela louca e inconsequente energia que se apoderou de mim.
Resolvi prestar uma homenagem ao signo e às pessoas que habitam nele. Segue uma poesia que acabou de sair do forno:


VENENO DE ESCORPIÃO


A noite primitiva beijou nossos corpos
Sem pedir licença rasgou espaços
avançou divisas
encaixou sabores
descascou tintas vivas

Seguiu sem medo a noite menina
passeando devassa nas nossas bocas
estendendo sua língua safada
na pintura dos nossos corpos
E correu fingida para lua cheia
me deixando lua sozinha
quando dia fez-se aparecer

Antes, porém revelou meu segredo
Escorpião das águas profundas
na cumplicidade do enlace-noite
metade de mim abriu afoita o presente
a outra metade aguarda saber...

24.10.2008

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Submersa em poesia


Hoje vou participar de um Sarau na casa da minha colega de oficina literária e pianista Aldemita. Creio que estou buscando minhas raízes pois no primeiro homanegeie os estados de onde tirei o barro que me formou: Pernambuco, Piauí e Distrito Federal; hoje homenagearei as mulheres.

Começarei com a maior poeta de Goiás: Cora Coralina que tendo o primeiro livro publicado somente aos 76 anos é para mim o exemplo de que nunca é tarde para se perseguir um sonho.
Seguirei com Adélia Prado que esposa, mãe, professora, nascida e residente em Divinópolis-MG mostra que não precisa ser "porra louca" e nem habitar grandes centros urbanos para se fazer arte com esmero e reconhecimento.
E encerro humildemente com uma poesia minha deste último agosto que casa-se bem com meus dias atuais. Trata-se de uma Endecha que é uma composição poética lamuriosa; uma poesia fúnebre de tom melancólico; uma canção triste, um lamento...

ENDECHA PARA TRISTEZA
jeanne maz

Hoje,
Não me queiras forte, poderosa
Nem me peças um sorriso aberto,
que meu rosto espantalho diluiu
Nem terás o meu sempre de todo dia
Vomitando frases de efeito
auto-ajuda em pílulas
ou filosofias que encontrei num trancelim

Hoje, somente hoje
Não me exijas conselhos, receitas, band-aid
Nem requeiras um ouvido disposto a escutar
Deixe-me parir o grito esdrúxulo que silencie minha voz
E de maneira nenhuma me solicites médica
mãe, amiga, artista, amante
Pois hoje,
meu eu inroível
ruiu

E Pelamordedeus
Deixe-me voar com minha coleção de elefantes
E com flores mortas no cabelo, pular o abismo
Permitas que as águas nebulosas, o mar bravio,
me inundem os olhos,
E não apagues o fogo coração
que me faz o fígado de Prometeu bêbado
Por que hoje, somente hoje
A tristeza tomou conta de mim...

Mas não te preocupes com este encontro-morte
Por que amanhã, logo cedo
Convido a tristeza para a cama.
Devoro-a com mastigadas amargas
Acendo o cigarro que não fumo,
Olho-a com o repúdio que não aprendi
Viro-lhe as costas
e digo adeus.

04/08/2009

PS. Desde esse dia encontro quase diariamente a tristeza na soleira da porta. E insanamente há dias que jogo tijolos e solto cachorros, para em outros chamá-la para beber um trago e beijá-la loucamente a boca.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Duas senhoras especiais

Tenho uma amiga, professora de piano e colega de Oficina de Romances, uma senhorinha encantadora de 79 anos que faz mensalmente um sarau na sua casa.
Tive o prazer de comparecer uma vez e estou me preparando para o próximo sarau que acontecerá 23/10. neste dia preparo uma homenagem às mulheres.

Segue então um dos poemas que declamarei. Este é de uma grande mulher, também encantadora de almas:

TODAS AS VIDAS
Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto. Bota feitiço...
Ogum. Orixá.Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola. Quitute bem feito.
Panela de barro. Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda. Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária. Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa, de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra. Trabalhadeira.
Madrugadeira. Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira. Bem criadeira.
Seus doze filhos. Seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

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Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 - S.Paulo, Brasil

sábado, 10 de outubro de 2009

Congresso Brasileiro de Poesia




Estive participando do Congresso Brasileiro de Poesia que ocorreu de 05 a 09/10/09 em Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul. Adoro aquele lugar por motivos variados. E não posso esquecer a melhor noite da minha vida, que foi vivida por lá, quando em 2004, num certo quarto num fim do corredor, misturou-se artes plásticas, música, vinho, dança e poesia em tanta abundância que a magia secreta produzida neste momento nunca mais se dissipou...mas isso é outra história que pede n'outro momento um gole diverso...

Bem, vou lá anualmente desde 2001 e se não morasse em Brasília minha segunda opção seria a Serra Gaúcha, com certeza.
Fica registro deste lugar encantado e se algum dia ouvir o "chamado da sereia" para lá embarque nesta aventura que com certeza não se arrependerá...

Anexei nos meus álbuns link para as fotos do congresso. Sirva um trago de vinho se quiser...
Beijos,
jeanne

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Poesia na rádio








Ontem à noite os primeiros participantes do Congresso Brasileiro de Poesia de 2009 aportaram em Bento Gonçalves:o grande poeta visual mineiro Hugo Pontes, Jeanne Maz e o artista plástico Nando Negreiros, ambos representando Brasília.

E como a onda de poesia ocupa ,nesta semana,nesta cidade, todos os espaços, ontem à noite o poeta e jornalista Ademir Bacca nos convidou para participar ao vivo do seu programa Luzes da Ribalta, onde após pequenos dados históricos cada um escolhia uma música que tivesse sido feita no máximo até 1975, época onde se era possível ouvir boa música,segundo o editor do programa.

E entre músicas, vinho, curiosidades e poesia a conversa e o ambiente foram propícios para lembranças que invadiu a rádio e tomou os ouvidos da cidade até a madrugada de hoje.
Obrigada a quem nos acompanhou nessas 4 horas de recordações,

jeanne maz

domingo, 4 de outubro de 2009

Sobre uma onda de poesia no sul do Brasil



Hoje à tarde me acheguei à cidade de Bento Gonçalves(RS) para participar de mais uma edição do Congresso Brasileiro de Poesia. Evento este coordenado desde o início pelo poeta Ademir Bacca.

Aqui a poesia sai dos livros, passa pelas vitrines, atravessa a rua, penetra nas praças, nas bocas, na retina e como uma luz toma todos os espaços permitidos ou impenetráveis.
Esta é a 8º vez que estou aqui e tudo que respiro por estas paragens faz parte de mim. Impossível não se emocionar. Impossível que na chegança à nossa casa a poesia não tenha se impregnado nos cabelos e um fio mais desconfiado ou até despavorido não queira soltar o verbo...

Melhor que falar de poesia é mostrar uma. Segue, então, uma poesia que fiz exatamente há 3 anos, neste mesmo hotel vinocap, nesta mesma véspera de congresso, neste mesmo mundo de lembranças:

PEQUENO ÓBITO


Hoje,
Comecei minha morte
neste quarto de hotel

Mastigando nós
recrio cadáveres
que gozavam felizes...
Degusto roupas entrelaçadas
e carinhos despenteados

Os beijos e risos
que habitaram o ventilador do teto
Parados
Anestesiam minha língua
e se prendendo à faringe
sutilmente me sufocam

Na cena não digerida
o sangue tinto corria pelo pano branco
que o matizava
como um artista louco
que aleatoriamente
expressa seus sentimentos
numa tela vazia

Tento respirar as tintas da parede
sem sucesso
Busco um abraço invisível
que me massageie o peito
mas só a fisionomia abjeta se reflete
Grito em silêncio a minha dor
E ofegante
varro meus cacos de vidro
Paro, perplexa,
pois não existem lábios
para a boca-a-boca

Meu corpo lívido ressurge num palimpsesto

Deto-me!
Abro uma garrafa de tannat
E sorvo a taça
cheia de lágrimas e aromas
E jazo horas eternas...
Respiro profundamente
Contenho meu pequeno óbito
E saio no frio
Sob um sol pálido
Após a chuva infernal

01 p/ 02/10/2006,
Congresso Brasileiro de Poesia
Poesia de Jeanne Maz